Maninha

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Maninha

Perfil do artista


Maninha Cavalcante (São Paulo, 1940/2021)
Para Maninha, Arte e Vida são um todo inseparável mergulhado em um contínuo super-temporal, em que passado e presente não se separam. Bem e Mal não se distinguem.
Maninha criou um Surrealismo brasileiro amazônico de horizontes mais amplos que o do Surrealismo francês, remontando ao magma labiríntico do Maneirismo, e talvez até aos Simbolistas da renascença. A criação de Maninha poderia se relacionar com percepções paranormais da chamada memória distante, pelo fato das imagens de suas obras estarem relacionadas com épocas diferentes.
O papel extremamente destacado das mulheres nas artes plásticas brasileiras, desde a Primeira Guerra Mundial, foi talvez único em todo o mundo, e constitui indiscutivelmente um dos seus aspectos mais fascinantes. Desde a década de 20 vêm surgindo continuamente grandes personalidades artísticas femininas, sem dever prioridade às masculinas. Maninha é indiscutivelmente uma das grandes figuras artísticas brasileiras de sua geração, podendo ainda atingir pontos mais elevados e inesperados em sua obra, pela contínua transformação criativa de sua arte, que atualmente tende para um tipo notável de realismo mágico.
Grande parte da obra de Maninha consiste na representação de figuras humanas, principalmente mulheres. São rostos que parecem máscaras em sua fixidez, ou então sorriem quando não riem cinicamente, com um esgar agressivo. A protagonista do quadro freqüentemente está acompanhada por outra imagem feminina que pode ser um duplo, ou então um outro que pode ser algoz ou perseguidor. Um componente de crueldade das expressões, dos olhares e ritos faciais, e também a crueldade do gesto da própria artista, deixando figuras inacabadas, sublinhando seus contornos com traços mais fortes na linha do grotesco ou então descontinuando o traçado, fazendo um corte com uma pincelada ou risco abrupto. Recusa-se aos personagens do quadro – e a seus espectadores – o direito à tranqüilidade, à plenitude do bem-acabado, do fechamento formal, do equilíbrio.
Muita coisa, nestes quadros, remete ao teatral, ao jogo cênico: roupagens que parecem figurinos, gestos hieráticos e posturas rígidas contra um fundo maneirista que é um cenário de planos superpostos. Os retratos dos mitos, personagens célebres, também são puras máscaras, as personae teatrais. Em algumas obras há sugestões eróticas, porém de um erotismo perverso que lembra o teatro sadiano. Aqui ingressamos na metalinguagem, na visão da arte como espetáculo e jogo, como erotismo ritualizado. Há uma constante nos quadros de Maninha: quer representem eles rostos humanos, cenas ou colagens, se faz presente a tematização da transgressão, seja a transgressão da forma pela recusa do acabamento, ou a transgressão do comportamento, dos valores e ideologias pela sugestão da arte como prática perversa.
Há um infinito sígnico apenas entrevisto ou insinuado, presente como obsessão ou fantasmagoria expressa na tensão destes rostos insones e estáticos, destas paisagens cujos fundos se dissolvem ou multiplicam. Cada quadro dobra-se sobre si mesmo, nega-se, furta-se à mera representação e aponta para um mais além, propondo, nos traços abruptos e descontínuos, aquilo que ele não é, querendo-se como alteridade, outra coisa. Em nenhuma das telas deixa de haver uma negação, um questionamento do fácil, em que as figuras explodem e seus fragmentos ocupam o espaço, a recusa do linear é expressa sob forma de labirinto.
A dialética do eu e do outro, da personagem e seu duplo ou negativo. No plano da estética, como arte que se quer outra coisa, aquilo que ela não é, ou seja, vida. Ou então, como representação da contradição básica entre o artista e a sociedade. E também, por extensão, entre o artista plástico e seu mercado, aqueles que se apropriam do seu trabalho, mercantilizando-o e fetichizando-o. Por vezes me pergunto se não há, por parte dos integrantes do nosso assim chamado mercado de arte, uma intuição deste potencial crítico, e se algum crítico, galerista ou colecionador, já não se sentiu retratado na figurinha sinistra do canto do quadro, daí advindo um leve sobressalto ou um susto mal disfarçado, uma reação vagamente fóbica. Talvez por isso este mercado, que às vezes tão apressadamente saúda como vanguardista ou inovadora alguma mera repetição ritualizada do gesto dadaísta ou futurista, ainda não tenha assimilado plenamente, ainda não tenha engolido, por assim dizer, uma produção artística que nasce primordialmente de um gesto de recusa do senso-comum, do bem-acabado, do bom-tom em arte e fora dela. Em Maninha, a pintura é, acima de tudo, um ato de coerência, jamais instrumentalizado ou submisso a algum outro tipo de discurso, elaboração cerebral, norma ou cânone. Desta coerência deriva seu vigor – e também a lentidão que muitos têm para assimilá-la.
Fonte http://www.jornaldepoesia.jor.br/agmaninha7.htm